oGrunho (Discussão sobre Política Nacional e Internacional)

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quinta-feira, setembro 15, 2005

Parte 12: A Escrita Cónia: As Raízes Étnicas do Povo Cónio

Autores gregos e latinos referem que a região hoje chamada Algarve foi habitada, em tempos pré-romanos, pelos Cónios. E contudo, é provável que em épocas mais antigas fosse maior a área ocupada por esta civilização, como se pode depreender do nome romano de Conimbriga (uma variação a partir de “Coniumbriga”?), este possível testemunho toponímico da presença cónia no centro do país pode ser o último sobrevivente de uma época em que os cónios ocupavam o centro e o sul do actual território português, sendo possivelmente a invasão de tribos célticas que os rechaçara mais para Sul. Representariam eles, pois, uma camada pré-indoeuropeia. Uma camada que, na visão de Menendez Pidal, radicaria nos tempos paleolíticos nas populações capcenses migrantes desde o norte de África e da Líbia que se estendiam, na Península desde as costas do sul até ao norte da Catalunha e que serviriam de matriz para Iberos, Cónios, vetões, e outras populações locais. Em oposição teríamos as populações de matriz cantábrico-pirenaica a partir das quais se formariam os povos basco e asturiano. No âmbito desta tese, não haveria qualquer relação entre cónios e bascos e as teses que julgam encontrar no basco um sobrevivente moderno do Ibero e do Cónio cairiam por terra. Estas populações de tecnologia Capsense seriam assim de origem norte-africana, tendo o seu ponto de origem provavelmente na região do Saara, numa região da actual Líbia oriental onde o clima conhecia à quatro mil anos um processo de desertificação crescente que haveria de produzir o deserto profundo que hoje associamos ao Saara.

Os capcenses foram antecedidos por outra cultura paleolítica que surge no Marrocos e no sul da Península Ibérica, designada por “Iberomarusience” que se desenvolveu em 7.500 a.C. Os capcenses eram caçadores, recolectores e pescadores, mas era o seu apreço por caracóis que os tornaria famosos, sendo os depósitos de cascas destes animais um vestígio típico desta cultura. As pinturas rupestres que surgiram no Saara por volta de 3.500 a.C. revelam uma cultura em que a pastorícia e o gado detinham um papel fundamental. Estas pinturas mostram uma população que por vezes possui rostos caucasianos, e outros, negróides. Esta aparente mistura ter-se-á produzido sobretudo no centro do Norte de África enquanto que a norte haveriam zonas de influência predominantemente caucasiana no norte a par de uma zona povoada por negróides mais a sul. Cavalli-Sforza encontrou nos contemporâneos Fulani os descendentes destes capcenses , que vivem nos dias de hoje na África Ocidental Sub-Saariana.

Para além dos Fulani, os descendentes vivos dos Capcenses podem ser encontrados nas populações berberes do Marrocos e da Argélia, com prolongamentos até ao Egipto e Sinai, mas também até à Península Arábica e à ilha de Socotorá. Sujeitos a intensa pressão por parte dos seus vizinhos árabes e beduínos, muitos berberes adoptaram a língua árabe nos séculos VII e XI, resistindo as suas línguas afro-asiáticas nas regiões montanhosas e mais inacessíveis do interior. Os berberes atravessaram o Atlântico e povoaram as Canárias durante o Neolítico onde os guanches de olhos azuis ou cinzentos e cabelos loiros espantaram os invasores castelhanos do século XV.

Os primeiros povos indo-europeus chegaram ao sul de Portugal durante o período conhecido como Bronze III fixando-se em torno das minas de cobre desta região, encontrando neste local, os cónios, um povo que parece provir de uma matriz étnica anterior. Durante o período conhecido como “Bronze IV”, terão chegado aquele que é actualmente o nosso território as primeiras vagas demograficamente significativas de Celtas e Iberos, acompanhados pela vanguarda das vagas comerciais fenícias por volta de 1000 a.C. e, pouco depois, dos primeiros navegadores gregos. Estes mercadores estrangeiros provinham de civilizações mediterrâneas – embora de origem oriental -, e essa comunhão de substratos culturais haveria de facilitar a integração desses elementos culturais estranhos nas culturas locais. E foi sem dúvida com estas populações exógenas que se refundou a matriz étnica do povo cónio, num processo que haveria de produzir a aparição de um sistema de escrita autónomo.

Mário Saa, citando o Itinerário de Antonino Pio, divide a Lusitânia em três regiões: Lusitânia, Vetónia (segundo o nome dos Vetões) e, finalmente, o “país dos célticos”, situado a sul do Tejo e a Ocidente do Guadiana. Daqui conclui Saa sobre a matriz céltica dos cónios, o que não é certo, mesmo aderindo exclusivamente às suas próprias palavras. As citações do “Itinerário” indicam que as populações célticas eram na época romana dominantes a sul to Tejo, mas não implicam que eram as únicas que aqui viviam. Aliás, a diversidade étnica da Península está bem documentada em muitas fontes clássicas, como se pode observar por exemplo em Heródoto de Heracleia, que no seu décimo livro das “Histórias de Heracles” afirma: “Este povo ibérico, que digo que habita a costa do Estreito, recebe vários nomes, sendo um só povo com distintas tribos. Primeiro os que habitam a parte ocidental, chamam cinetes, depois dos quais (para sueste) se encontram os gletes, depois os tartessis, os elbisínios, os mastienos, depois os celcianos e depois se encontra já o Estreito.” Este Heródoto distingue cuidadosamente os Cónios (cinetes) dos Tartéssios e das demais populações da zona do Estreito e nem sequer menciona, a presença de celtas nestas regiões do Estreito de Gibraltar... Não é difícil deduzir que a presença celta ou celtizante poderia ser relativamente intensa no interior (várias cidades com nomes em –briga) do Alentejo, mas que não teria alcançado ainda, em época romana, o litoral sul atlântico e a margem ocidental do Guadiana, onde os cónios seriam ainda a população maioritária, após a sua expulsão dos territórios do interior pelas vagas invasoras de populações indo-europeias vindas da Meseta Ibérica.

Sendo assim, chegamos à conclusão da origem pré-céltica dos cónios. Mas se não eram indo-europeus, seriam então populações lígures, como defendia Oliveira Marques? Nada o permite afirmar. Com efeito, os Lígures funcionam para alguns historiadores como um cómodo “depósito”. Isto é, quando alguma população não é céltica nem semita, então só pode ser lígure, e isto apesar de não se conhecer praticamente nada da expansão geográfica deste povo e de não existirem provas arqueológicas da sua presença no nosso território. O estado actual do conhecimento das populações do extremo sul da Península não indicia a presença de populações lígures, embora a referência a um “Lago Lígure” na proximidade de Tartessos tenha excitado alguns autores pró-lígures essa é ainda uma prova isolada das suas posições pró-líguricas e continua insubstanciada pelas evidências arqueológicas, as quais denunciam contactos com o Mediterrâneo Oriental e até com o norte de África, mas que são omissos quanto a paralelismos culturais directos ou quanto a contactos comerciais com o norte de Itália.

Muito para além das teses celta e lígure, encontra-se o sempre polémico Moisés Espírito Santo. Este sociólogo e investigador das raízes da religião popular portuguesa, recorda que os cartagineses se auto-designavam como cani, coni, canani, isto para além dos termos mais conhecidos puni, pheniku e punices. É sem dúvida curiosa esta coincidência de nomes tanto mais porque a presença púnica no território cónio está bem documentada. Talvez resida aqui a explicação. Não é de todo impossível que os mercadores e militares cartagineses tenham aculturado tão intensamente os cónios que estes – com alguma miscigenação – podem ter chegado inclusive a adoptar um dos seus nomes étnicos. Esta hipótese parece-nos muito mais razoável do que a de Moisés Espirito Santo segundo a qual os cónios são classificados simplesmente como resultantes de uma migração massiva de colonos semitas. Com efeito, a tentativa de M. E. S. para encontrar palavras fenícias nas estelas cónias não é particularmente bem sucedida, e a sua leitura das estelas funerárias romanas como inscrições fenícias ou hebraicas não encontra grandes fundamentos e caí frequentemente em contradições, sendo, no geral, particularmente infeliz.