oGrunho (Discussão sobre Política Nacional e Internacional)

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quinta-feira, setembro 15, 2005

A Arca da Aliança

1. Introdução

A interminável sequela dos filmes da série «Indiana Jones» abordou na sua primeira encarnação o tema da «Busca da Arca Perdida», e podemos considerar que a temática escolhida terá sido um dos elementos determinantes para o sucesso do filme. Cremos que assim foi devido à grande populariedade que no imaginário judaico-cristão ocidental as místicas do Velho Testamento ainda conservam.

Segundo a Bíblia (cap. XXV do êxodo) a Arca fora encomendada segundo uma forma muito exacta pelo Deus dos Judeus e executada sob as ordens directas de Moisés.

A Arca era constituída por um cofre de madeira revestido por uma protecção metálica dupla, no exterior e no interior, provavelmente de ouro e chumbo. Tinha no cimo dois arcanjos de ouro com asas abertas em atitude de protecção do cofre. O propiciatório colocado sobre a Arca media 2 cóvados e meio por um cóvado e meio, o que nos permite indirectamente avaliar as dimensões da Arca de Aliança. Segundo alguns autores conteria apenas as Tábuas da Lei dadas a Moisés por Yavé, segundo outros, além destas incluiria também o Bastão de Arão e um pote de Maná do deserto.

A guarda da Arca era confiada aos Levitas, os únicos com direito de lhes tocar. Estes, para a deslocarem «enfiavam dois bastões cobertos de ouro nos anéis».

2. A Arca da Aliança, uma pilha eléctrica?

Como dissemos a Arca era feita de madeira de cedro reforçada a ouro por dentro e por fora (o mesmo princípio dos condensadores eléctricos: dois condutores separados por um isolante). A Arca permanecia numa região seca, onde o campo magnético natural atinge normalmente 500 a 600 volts por metro vertical.

Uma vez isolada, a Arca por vezes aureolava-se de faíscas incandescentes e se algum imprudente lhe tocava provocava terríveis estremeções. Por outro lado, os levitas encarregues do seu transporte não lhe tocavam directamente mas só por intermédio de bastões de madeira (material isolante). Quando David pretendeu transportá-la da casa de Abinadan para o seu palácio, deu-se um incidente: a arca estava colocada sobre um carro de quatro rodas completamente novo, conduzido por Oza, filho de Abinadab; como os bois que o puxavam escoicinhavam «ao chegar perto da eira de Nachom, Oza colocou a mão sobre a Arca de Deus», para a segurar, pois estava perigosamente inclinada. E caiu fulminado.

Escavações feitas em alguns templos egipcios mostraram diversos engenhos que visavam impressionar os crentes através de efeitos de luzes e sons. Por outro lado, no Iraque nos anos sessenta foram descobertos diversos pequenos condensadores que tinha a finalidade de por electrolise aplicarem uma leve camada de ouro em estátuas de bronze. As bases da electricidade eram portanto conhecidas no Médio Oriente Antigo. Essa tradição pode ter sido captada pelos hebreus durante a sua presença no Nilo, com efeito, a composição de materiais da Arca sugere que ela se pode ter portado como uma pilha eléctrica com um pequeno condensador. As suas descargas de electricidade estática, embora não fossem certamente suficientes para fulminar alguém (apesar de alguns exageros bíblicos), eram com certeza bastantes para impressionar os crentes.

3. Simbolismos


Existem diversas leituras simbólicas para a Arca da Aliança e para os seus componentes. C. G. Jung refere que a Arca quando surgia nos sonhos era um símbolo do seio materno, mas para além desta leitura psicológica existe uma outra, aquela que os cristãos romanos mais tarde fariam, em que associavam a Arca à mãe de Deus, enquanto mediadora entre o Homem e o Divino, designando-a então por Arca da União.

Um dos componentes essenciais da Arca era a madeira. A madeira simbolicamente é equiparada à matéria em geral, mantendo um estreito relacionamento com o significado de «força vital», de «maternidade», e daí, com «fecundidade». Por outro lado, a escolha da madeira de Cedro também não está isenta de significado. Trata-se de um símbolo de grandeza e do sublime em razão do seu tamanho. É também um símbolo da força e da perenidade em virtude da resistência da sua madeira. Enfim, como todas as coníferas, é também um símbolo de imortalidade.

Além das Tábuas da Lei, que testemunham o contrato entre Deus e o Homem, e que regem a conduta deste último, outro dos componentes guardados dentro da Arca seria um resto de Maná, do mesmo Maná que alimentara os hebreus durante a sua caminhada pelo deserto (æxodo). O Maná é a designação simbólica de todo o alimento sobrenatural, simboliza igualmente o Logos.

Reunindo todos estes elementos simbólicos chegamos algumas conclusões interessantes. Em primeiro lugar a Arca era o símbolo do próprio Israel, terra-mãe e prometida dos hebreus. Noção esta que é reforçada pela madeira sua principal componente, também ela símbolo da maternidade, por outro lado a escolha do Cedro não foi certamente casual sendo ele um símbolo de força e grandeza. Não deixa de estranhar que o fim do estado de Israel tenha surgido pouco depois do desaparecimento da Arca (excluindo uma lenda etíope), ou seja, após o fim da força e grandeza deste. Por outro lado, a imortalidade simbolizada pelo Cedro também se revela na tradição que diz que a Arca não se perdeu, que foi guardada em lugar seguro e que um dia regressará ao seu legítimo lugar, o Templo de Salomão reconstruído. Quanto ao seu conteúdo, o Bastão de Arão simbolizaria o poder temporal do Estado de Israel, as Tábuas o Contrato entre Deus e Israel e o Maná o próprio Logos (ou Razão e Ordem Divinas) que porque incluso na Arca, deveria pertencer ao próprio espírito do Estado Israelita.

4. Historial

Sabe-se que Nabucodonossor II, senhor da Babilónia, no ano de 586 d.C. conquistou Jerusalém. O Templo de Salomão foi então destruído e os judeus levados para Babilónia no cumprimento de uma política de desenraízamento característica das soberanias orientais (inaugurada pelos Assírios). Só depois de 538 a.C. graças à tolerância do Rei dos Reis Persa Ciro II, que conquistara Babilónia, é que os judeus puderam regressar à Terra Prometida. De regresso, o rei judeu Zorobabel encetou a reconstrução do Templo, tendo sido concluída pelo escriba Esdras, sob a soberania do persa Artaxerxes, entre 404 e 358 a.C. Esdras conseguiu fazer regressar para Jerusalém a maior parte da ainda importante colónia judaica em Babilónia. Mas a Arca da Aliança nunca chegara a ir para Babilónia. As referências à pilhagem do Templo por Nabucodonossor II não mencionam a captura do importante objecto de culto (consequentemente uma arma política vital) que era a Arca. Mas mesmo se admitirmos que fosse transportada em segredo para Babilónia isso não explica como depois desta conquistada por Ciro II, fosse transportada para Jerusalém e não para a Pérsia vitoriosa. Ao que tudo indica teria sido escondida em lugar seguro pelos sacerdotes responsáveis pela sua guarda, e daí retirada posteriormente. É assim que quando sob Esdras o Templo é reaberto a Arca reocupa nele o seu lugar central. O seu traço só vem efectivamente a desaparecer muito tempo depois, precisamente quando os romanos ocupam Jerusalém e levam para Roma o seu espólio. Roma receberá assim no seu Tesouro a Arca. Daqui em diante não surge qualquer referência ao objecto. É provável que quando em 24 de Agosto de 410 Alarico, rei dos Ostrogodos, entra na Cidade Eterna e a pilha sistematicamente durante três dias, se tivesse apossado dela, mas também aqui faltam todas as referências.

Esta é a primeira tese, aquela que refere que a Arca teria acabado por cair nas mãos dos bárbaros Ostrogodos. Mas existe uma lenda etíope que lança uma segunda tese, insólita, mas porventura menos conjectural. A lenda é referida no livro «Éthiopie, fidéle à la Croix»: «Makeda, rainha de Sabá, cujo reino poderoso se situava entre as duas margens do mar Vermelho, iniciou um dia uma longa viagem em direcção ao norte. Ouvira falar da sabedoria do rei Salomão e tinha sido informada sobre o esplendor das riquezas de que este se rodeava. Iniciou a viagem com 797 camelos e um grande número de burros e mulas, carregados de presentes. Salomão exultou com a visita da rainha, possuídora de rara beleza, chegada de um país maravilhoso. Ofereceu-lhe refeições variadas e vestidos todas as noites.

A rainha prolongou a estada, admirando a sabedoria com que Salomão dirigia os trabalhadores do Templo, e conversava longamente com o rei sobre questões religiosas. A rainha de Sabá adorava o Sol, a Lua e as estrelas e transmitiu a Salomão o essencial para a construção do Templo.

Por fim resolveu regressar a fim de se ocupar do seu reino. Quando Salomão recebeu esta notícia pensou: «Quererá Deus dar-me um filho desta mulher tão bela que veio ao meu encontro do outro extremo do mundo?»

Decidiu realizar o seu desejo. Durante o banquete que deu em honra da rainha, mandou servir iguarias muito condimentadas para provocarem sede e, quando a noite desceu, convidou-a a passar a última noite no palácio real.

Esta consentiu na condição de não ser violentada. Em contrapartida aceitou não tocar em nada que pertencesse ao palácio. Foram colocadas duas camas nas extremidades da sala, e deitaram-se. A rainha acordou passado pouco tempo e, ao ver um jarro que os servos tinham colocado no meio do quarto, teve vontade de beber. Mas Salomão estava atento. Impediu-a de beber e disse: «Quebraste a promessa que tinhas feito.» A rainha reclamou que a promessa não se referia à água, mas o rei respondeu-lhe que nada havia de mais precioso no mundo, ela reconheceu o erro e pediu de beber.

Salomão libertou-se assim da promessa que fizera e obteve o que queria. Em seguida entregou um anel à rainha e disse-lhe: «Se tiveres um filho, dá-lhe este anel.» A rainha partiu para a Etiópia, onde deu à luz um filho que recebeu o nome de Menelique.

Ao atingir a idade adulta, desejou visitar seu pai. Nessa altura, a rainha entregou-lhe o anel e Menelique iniciou a viagem acompanhado de um séquito numeroso.

Como não queria reinar em Israel, contrariando assim aos desejos de seu pai, Salomão ungiu-o com o îleo Santo da Realeza e Menelique regressou à Etiópia.
»

A versão etíope acrescenta que juntamente com Menelique partiram os filhos dos conselheiros e oficiais de Salomão, levando a Arca da Aliança, que desde então teria ficado guardada num local oculto em Santa Maria de Sião, na cidade etíope de Axum. Outra tradição afirma que foi à força que Menelique conseguiu roubar a Arca da Aliança aos hebreus.

5. Conclusão


Daquilo que acima foi escrito constatamos que as imagens do filme pouco correspondem à realidade. O seu aspecto geral é o correcto, especialmente pela presença dos dois arcanjos de asas abertas. Mas nada sugere que ela tenha sido capturada por algum Faraó egipcio.

No final do filme, vemos os anjos que dentro dela estariam guardados a fulminar os nazis que a profanavam. Tam-bém em relação a eles não existe nenhuma referência bíblica. Muito embora as descargas de electricidade estática acima referidas possam surgir aqui como uma possível fonte. Finalmente não se faz qualquer referência nem ao Bastão de Arão nem ao Maná do deserto. Também não parece provável que esteja guardada num qualquer armazém do exército dos EUA, muito mais provavelmente ou continua no mesmo esconderijo onde a guardaram antes da pilhagem de Jerusalém pelos Romanos ou foi levada por estes para Roma, onde teria sido guardada até à conquista bárbara, ou, mais provavelmente, derretida e transformada em barras de ouro.